terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Inteligência Ecológica

Tempos de transparência radical: quem se habilita?

Por Ricardo Voltolini *

A primeira sensação que se tem ao ler Inteligência Ecológica (Elsevier Editora, 2009, 245 páginas), novo e provocativo livro de Daniel Goleman, é que a discussão sobre consumo consciente está na idade da pedra. No Brasil e no mundo. Enquanto aqui ainda se tenta “compreender o fenômeno”, suas motivações e suas barreiras, o autor antecipa um cenário marcado pela ascensão do conceito de transparência radical no qual ecologistas industriais e comunicadores serão chamados a desvendar e comunicar os impactos ocultos em todos os elos da cadeia produtiva de um produto.

Na opinião de Goleman, o primeiro e importante entrave ao consumo responsável diz respeito à lacuna de informações. Qualquer pessoa mais consciente que se disponha a comprar determinado produto considerando o seu impacto para o planeta, para a saúde e para o bem-estar dos trabalhadores que o fabricaram não terá informações consistentes para fazer comparações e, por tabela, escolhas melhores. Simples assim. Os dados informados em rótulos e embalagens — na maioria das vezes, raros e genéricos — indicam, no máximo, se os produtos são “orgânicos” ou “ecológicos”, sem se dar ao trabalho de explicar essas condições.

Para o também autor de Inteligência Emocional, ocultar dados é confortável às empresas. Melhor do que ninguém elas conhecem a maior parte dos impactos de um produto para a saúde e o meio ambiente, mas não se esforçam para divulgá-los — a menos que sejam obrigadas por lei — porque, nesse caso, transparência demais pode prejudicar os negócios. A esse gap entre os dados que possui uma empresa e os recebidos por consumidores Joseph Stiglitz, prêmio Nobel da Economia, deu o sugestivo nome de “assimetria de informações.” Quando quem vende sabe de algo que quem compra não sabe a parcialidade e a eficiência do mercado ficam evidentemente prejudicadas. Isso vale para preços, objeto da tese de Stiglitz. Mas também para impactos ecológicos.

Informação tem, portanto, valor. O conhecimento que ela ajuda a formar resulta em poder de mercado. A ausência de um sistema de indicadores claros e compreensíveis, capazes de orientar os consumidores a respeito dos impactos ocultos do que estão comprando significa — para Goleman — que o mercado recompensa os produtos ambientalmente responsáveis apenas de modo tímido e pontual, o que acaba por se traduzir em pouquíssima pressão competitiva para o aperfeiçoamento de processos verdes. Ou seja: desinformado, o cliente não valoriza os impactos secretos; e se não valoriza, eles permanecem em segredo, garantindo às empresas um salvo-conduto para produzir do modo como sempre produziram, mantendo-se em uma zona de conforto mental, cujo fator competitivo mais importante segue sendo o preço.

A desinformação — vale dizer — não decorre apenas da escassez de informações em rótulos, embalagens e pontos de venda. Mas também da comunicação de informações propositalmente superficiais, irrelevantes ou herméticas, baseadas em enunciados breves que não se sustentam, em alegações vagas ou em tecnicismos impenetráveis. Goleman cita o caso das lâmpadas “com eficiência energética” que se esquecem de oferecer provas dessa condição, os xampus eco-conscientes que de verde só possuem o nome, os inseticidas “livres de substâncias químicas” (como se isso fosse possível) ou os “sem CFCs” (os clorofluocarbonetos estão proibidos há pelos menos 30 anos). Também mencionou o caso das balas inglesas que trazem em seu invólucro informações cifradas sobre substâncias que nem um PHD em química conseguiria compreender a uma primeira leitura.

A essa lista, acrescentaria, por conta de experiência própria, um sabão em pó brasileiro “com partículas verdes”, que parece querer te convencer, apenas adotando a cor verde na embalagem, de que faz bem para a natureza. Isso é greenwashing. Tanto quanto ocultar informações, oferecer dados falsos ou aleatórios em produtos que não entregam o que prometem mina a eficiência do mercado, descompensa a balança em favor do vendedor, desvaloriza as informações realmente consistentes, e confunde o consumidor, gerando ceticismo e desinteresse.

A uma certa altura do livro, Goleman discute os rótulos sob a perspectiva realista de sua utilidade e aceitação. Objeto de forte regulamentação em todo mundo, e também desafio permanente para designers e publicitários, uma primeira constatação importante sobre este singelo selo afixado nas embalagens de produtos é que as informações que ele traz não mudam tanto a consciência dos consumidores quanto se imagina. Estudos de diferentes fontes revelam que benefícios comunicados por rótulos costumam levar anos para serem percebidos. As mudanças de atitude são ainda mais demoradas. Podem consumir décadas.

Doutor em Psicologia em Harvard, Goleman recorre a um outro prêmio Nobel da Economia, George Stigler, para lançar luz sobre esse fenômeno. Na opinião do fundador da Chicago School of Economics, a informação tem um preço. E assimilá-la exige tempo, esforço e demanda cognitiva. Para a maioria das pessoas, tal tarefa está longe de ser simples ou prazerosa. Apresentadas em um rótulo, ela são “menos custosas”, no entanto, quando amigáveis ao comprador, ou seja, comunicadas de modo compreensível a uma primeira e rápida olhada. Ou alguém tem tempo de estudar um rótulo enquanto caminha pelos corredores de um supermercado?

Muita informação nova, essencialmente técnica, torna mais complexo o processo de decisão no ponto de venda, não restando à mente humana outra alternativa senão a de pegar um atalho: diante das opções disponíveis, do esforço mental necessário para avaliar cada dado, do benefício percebido e do tempo estimado (o mínimo possível é o desejável) para tomar a decisão, ela escolhe o que parece ser a opção mais satisfatória, não exatamente a ideal. Essa inércia cognitiva explica porque, na maioria das vezes, o consumidor se repete ao comprar o que já comprou em outro momento– em vez de perseguir o ideal — que requereria um esforço e tempo maiores, optando pelo apego a uma marca que já proporcionou uma experiência suficientemente boa.

Explica também, em alguma medida, porque as poucas informações disponíveis sobre atributos verdes ainda não são vistas e percebidas como um diferencial por grande parte dos compradores. E também porque “vendem” mais valor entre os mais escolarizados, habituados, por conseqüência, a interpretar criticamente as informações.

Incompreensíveis para a maioria dos cidadãos, na medida em que ainda estão muito restritos a um círculo de iniciados, os escassos dados sobre produtos verdes mobilizam menos do que seria necessário, reforçando o discurso de algumas empresas que empurram para o futuro a decisão de comunicá-los em seus rótulos. Nos últimos dois anos, venho perguntando a executivos de diferentes companhias por que, mesmo tendo o que informar, suas empresas preferem não informar. As respostas são quase sempre tão vagas quanto a convicção no diferencial competitivo representado pelo atributo sustentável.

No final das contas, elas parecem mesmo preferir ficar onde estão, no conforto das práticas que conhecem, protegidas do risco de serem comparadas, deixando a mudança para quando forem pressionadas por um consumidor mais exigente ou pela força de regulação governamental. Na defesa de suas posições, lançam mão de pesquisas que mostram o que já se sabe: que os consumidores não lêem rótulos, que não compreendem nem valorizam informações verdes e que, céticos, desconfiam até de que elas sejam mero truque de marketing.

Estariam certas em sua lógica? Não precisa grande esforço de futurologia para projetar que, em breve, os rótulo verdes deixarão de ser diferencial para se transformarem em lugar comum, ante a crescente valorização das questões socioambientais pela sociedade contemporânea. Tirarão proveito da imagem de pioneirismo, no entanto, aquelas companhias que enfrentarem o desafio técnico de “baratear” o custo cognitivo da nova informação, comunicando os dados de modo claro e compreensível, e o desafio ético de educar os consumidores para uma atitude de consumo mais engajada, ainda que essa empreitada exija paciência professoral.

Na visão de Goleman, o quadro vai mudar muito nos próximos anos. A transparência ecológica deve se tornar radical, o que significa, que os rótulos informarão os consumidores não apenas sobre a pegada de carbono do produto, mas todos os impactos gerados em cada estágio de seu ciclo de vida, incluindo diferentes custos ambientais, externalidades, riscos biológicos e o contexto social de quem o produz. A crença do autor — com a qual compartilhamos — é que o acesso facilitado a informações-chave hoje propositalmente ocultas mudará para melhor consumidores, empresas e sociedade. Os consumidores, porque poderão transformar o ato de compra em um ato político, uma espécie de voto na construção de um mundo e um planeta melhores. As empresas, porque, estimuladas pela competitividade do consumo consciente, dedicarão mais atenção a aperfeiçoar processos, reduzindo os impactos de seus produtos. E a sociedade, porque, afinal de contas, será diretamente beneficiada pelo valor adicionado de decisões mais inteligentes de consumidores e empresas.

Goleman acredita que isso venha a acontecer. O primeiro passo é informar melhor.

* Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Ideia Sustentável.
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(Envolverde/Instituto Akatu)

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